Um experiente parlamentar me disse o óbvio: uma lei eleitoral só será boa se aprovada para entrar em vigor daqui a 20 anos ou 30 anos, quando todos os atuais deputados e senadores não estiverem mais na ativa. A constatação é de que ninguém trabalha contra os seus interesses pessoais. O deputado que vota a lei é o mesmo que será candidato na próxima eleição. A preocupação maior não é com o processo eleitoral e muito menos com os interesses nacionais, mas a reeleição. A reeleição dele mesmo. A disputa municipal funcionou como laboratório. O que aconteceu com os vereadores nas eleições do ano passado vai se repetir com os deputados estaduais e federais no ano que vem. A conclusão dos deputados foi de que, sem as coligações proporcionais, o processo mudou e muito.
Mais de cem deputados concluíram que não serão reeleitos sozinhos, sem a força da coligação. Desespero. Houve então a luta para mudar a lei e voltar às coligações, juntando as várias bancadas de descontentes. Entre os chimpanzés, esta prática é comum na disputa pelo poder. Pequenos grupos se unem para derrotar o grupo do poder. Nós copiamos. Foi assim que a força por mudanças na lei se fez. O grupo quer a volta do financiamento eleitoral e partidário por empresas privadas, voto impresso, readequação do fundo eleitoral, propaganda em rádio e TV, redução do número de candidatos e a federação partidária para anular os efeitos das cláusulas de barreira. Só que um novo grupo de resistência foi formado, a união dos maiores partidos que se beneficiam das atuais regras. Eles não querem a volta das coligações. Dominam o processo eleitoral. Aí é que mora a dificuldade na aprovação até outubro das mudanças na lei eleitoral. O que pode sair deste debate é a federação dos partidos e regulamentação do financiamento eleitoral.
O debate sobre a volta do voto em cédula foi excluído pela complexidade. Será uma emenda constitucional, que se passar pela Câmara, terá dificuldades para aprovação no Senado até outubro. A insistência dos aliados do presidente Jair Bolsonaro pelo tema intriga deputados de esquerda. Há quem acredite em semente para desacreditar o processo eleitoral com a narrativa de que as urnas eletrônicas fraudaram as eleições e que há insegurança. Em seguida, sem o voto em cédula, a discussão se aprofundaria para fraude e o grupo iniciaria uma nova disputa para desacreditar as normas. A conclusão é de que o melhor é enfrentar agora o debate. Aprovar uma emenda constitucional não é fácil e o governo não tem maioria no Senado para fazer uma mudança na Constituição. Sem uma reforma eleitoral eficiente, o processo fica preso às mudanças pontuais e temporárias. Eleição por eleição, os interesses vão sendo adequados à maioria do momento no Congresso. Assim é que o projeto patina e está sendo disputado entre os que ficam com reeleição facilitada a bordo dos grandes partidos e os que trabalham pela periferia e dependem da soma de votos dos aliados para a eleição. O positivo da situação é que a tendência aponta para o fortalecimento dos partidos políticos. Fica a lição popular: quem parte e reparte, fica com a maior parte. Por aqui, a conversa é direta: ninguém vota contra ele mesmo, o que seria cometer o chamado “haraquiri político”.
*Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião da Jovem Pan.