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Segunda, 21 de Outubro de 2024
Ola Mundo!


Você já foi assaltado hoje?

Estatísticas de assaltos e furtos têm aumentado em regiões nobres da capital paulista

Ao longo do dia, sou notificada, pelo grupo de Whatsapp do prédio onde moro, sobre os mais recentes assaltos e roubos da rua. Praticados por gatunos nas barbas da polícia, roubam distraídos pedestres que aguardam motoristas de aplicativos em frente à porta de suas moradias. Na quadra onde moro, temos entre três e cinco ocorrências relatadas na semana. Tem até ponto fixo e hora certa para acontecer. Apesar de, vez e outra, encontrarmos policiais militares, a estratégia adotada pela Secretaria de Segurança Pública tem dado super certo: com suas viaturas estacionadas literalmente sobre a calçada e nas mesmas esquinas, os policiais fazem “cara de mau”, portam armas e, vez e outra, ameaçam quem, como eu, pede a gentileza de deixar meio metro livre para o carrinho de bebê ou uma cadeira de rodas passarem, vez que, a quadra é parte do entorno do maior complexo hospitalar Clínicas, em São Paulo. Ouvi de um deles, que eu merecia os assaltos, já que não os queria fazendo a segurança ali. Coisa de alguns policiais mal capacitados que, incapazes de lidar com o público nas ruas, deveriam estar longe, bem longe delas. Pedir para deixar a circulação parcialmente livre para pessoas cm mobilidade reduzida é pedir demais? É ferir a “honra da farda”? É cada uma…

Parei de contar os assaltos e roubos que sofri quando completei o vigésimo sexto. Sim, caro leitor, fui assaltada bem mais vezes… Simplesmente parei de contar. Boletins de ocorrência? Inúmeros! E daí? Faço-os desde sempre porque sei que é importante registrar. Eu e mais um monte de gente, somos números que precisam ser contabilizados nas estatísticas para, eventualmente, mostrar a incompetência da Prefeitura do município de São Paulo no trato da segurança do cidadão em qualquer lugar da cidade: das áreas mais centrais às regiões mais periféricas, aquelas cujos números não são sequer registrados pelas pessoas mais humildes que, por medo de represálias, omitem delitos e mortes.

A convivência com safardanas, canalhas e pulhas em ambiente urbano é parte integrante da minha vida cidadã. Já apanhei muitas vezes e, garanto-lhes, bati em outras tantas. Em compensação, já arranquei sangue e cabelos de vários destes calhordas. Não façam o que fiz. Fiz tratamento psicológico para saber o porquê das minhas reações tão agressivas e imprudentes. Descobri. Sempre carreguei na minha bolsa e depois no celular, duas fotinhos dos meus filhos (3×4) de quando eram bebês. Sabe aquelas com cabelinho ralo? Elas me passavam uma sensação boa, do tipo, tudo vai dar certo e vai valer a pena. Soube, nas delegacias da vida, que “mulher, sozinha, avoada e com cara de riqueza” (sei lá o que é isso, só sei que meu holerite de professora mostra outra realidade), é alvo fácil. Aprendi a tirar a fotinho da bolsa e do celular, a carregar o dinheiro contado para o assalto. Explico. Certa ocasião, o biltre, visivelmente irritado com o pouco dinheiro que tinha na carteira, me deu dois conselhos que sigo até hoje: o primeiro era que eu deveria, dependendo do bairro e da roupa usada no dia, ter um valor adequado para o assalto. O segundo, era o de nunca usar bolsa de mão, não deixar celular exposto e mais: na qualidade de salafrário recém possuído por algum street stylist, recomendou-me vestir jeans, camiseta básica e tênis como meus alunos universitários. O desgraçado sabia quem eu era. E para eu dormir com essa informação?

A cara de avoada não tem como tirar. Como já escrevi dezenas de vezes, vivo no mundo da lua. Nunca tive uma boa relação com as realidades que a vida me apresenta. Em especial, aquelas que afetam a dignidade humana. Dói muito. Não entendo o que vejo, talvez não queira entender. Papo para a terapia. Assaltos e roubos, aumentaram e muito. Não pretendo aqui expor dados e razões. A coluna deveria estar mais “leve”. Já bastam as mortes previsíveis da semana provocadas pelas chuvas intensas matando mães, filhos, amigos e parentes daqueles que estão invisíveis nas áreas de risco em todo o território nacional. Sangue e lama ainda não são suficientes para que nossos ilustres gestores públicos, se sensibilizem para a urgência na elaboração de projetos, estes sim, com textos que descrevem (custos, prazos, etapas, datas, responsáveis) e detalham quais serão as ações práticas para impedir mais mortes e perdas.

Estas situações são fruto da ausência de políticas públicas urbanas e habitacionais voltadas aos mais vulneráveis que, no Brasil alcançam números escandalosos. Fomos incapazes como eleitores de cobrar sistematicamente nossos políticos por melhores programas de investimento na educação, emprego, saúde e cultura de nossas crianças e jovens. Somos todos nós, cidadãos brasileiros, responsáveis por estas tragédias. Basta de políticas e programas indigentes. Para comprovar que o número de assaltos pelos quais passei é verídico, deixo aqui a redação da minha filha que, no ano 2000, cursava a 6ª série e foi publicada. Recomendo que leiam e comparem a realidade vivenciada pelas demais crianças. Nossa vida urbana é terrível com todas elas.

Você já foi assaltado em sua cidade?

Saiba mais na coluna de @helenadegreas:https://t.co/tVJ6DkJk1Y

— Jovem Pan News (@JovemPanNews) February 28, 2023

Resultado de uma oficina de escrita criativa realizada há muito tempo, o livro “Prova de Amizade” (São Paulo: Editora Matrix, 2000) reuniu 100 textos produzidos por alunos de escolas públicas e particulares.  As crianças apresentaram suas redações a partir de suas visões de mundo sobre temas relacionados a amizade, família, medo, diversão e o lugar onde moravam. Todos os textos, sem exceção, relatam vivências e situações que emocionam e nos fazem pensar no mundo que construímos para eles. A redação ilustra a coluna e confirma uma situação que tinha de tudo para dar errado. Ela descreveu, a partir do olhar de uma criança, uma situação vivenciada pelas duas em nosso cotidiano de vida na cidade de São Paulo.

O título é: Um Assalto um Tanto Esquisito.

“Não tinha medo de nada. Até que um dia…

Estava passeando com a minha mãe e, quando ela parou no farol, veio um garoto na nossa direção.
– Passa o dinheiro.
Meu sangue subiu. Eu nunca tinha sido assaltada. Naquele momento eu não sabia o quê fazer.
– Vai logo tia, me passa o dinheiro.
Para minha surpresa, minha mãe, minha heroína, disse:
– Passo sim, se você for mais educado.
Eu fiquei paralisada.
– E mais uma coisa: desencosta do meu carro. Você está sujando meu vidro.
Ele se assustou.
– Passa logo tia, passa logo. O farol vai abrir.
Fiquei nervosa com a agitação dele.
– Calma, eu vou estacionar.
“O quê?” – eu pensei – “Ela vai estacionar?”
De fato, minha mãe, com toda a calma do mundo, estacionou.
– Quantos estão com você?
– Quatro, tia.
– Olha, eu não sou sua tia, não tenho muito dinheiro, por isso vou dar em vale-refeição. Você sabe como usa?
Eu não via a hora de tudo isso acabar. Não dava para acreditar: minha mãe lá, dialogando com o assaltante.
– Sei sim.
– Dois para cada um. Distribua.
– Valeu. Vai com Deus.
Ela foi embora e eu me acalmei.
Um senhor se aproximou e disse:
– Era um ladrão? Quer que eu chame a polícia?
– Não. Não era um ladrão.
Minha mãe mentiu. E eu percebi qual era realmente a situação da cidade de São Paulo: ela estava doente”

As cidades refletem as sociedades que as criaram.  Nossas cidades refletem nossa natureza. Duas décadas depois, o texto permanece, infelizmente, atual.

Tem alguma dúvida ou quer sugerir um tema? Escreva para mim no Twitter ou Instagram@helenadegreas.

*Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião da Jovem Pan.


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