Nove meses após o início da pandemia no Brasil, a situação de crianças e adolescentes se agravou, particularmente, entre as famílias mais pobres. É o que mostra a segunda rodada da pesquisa Impactos Primários e Secundários da Covid-19 em Crianças e Adolescentes, lançada nesta sexta-feira, 11, pelo Unicef. De acordo com o levantamento, famílias morando com pessoas menores de 18 anos estão sofrendo cada vez mais os impactos econômicos e sociais da crise sanitária, principalmente em relação a educação. Segundo a pesquisa, a renda das famílias com crianças e adolescentes caiu; aumentou o número de pessoas que não conseguiram se alimentar adequadamente porque a comida acabou e não havia dinheiro para comprar mais; menos estudantes tiveram acesso a atividades escolares; e há um receio das famílias de deixar que os filhos e filhas retornem à escola de forma presencial. “A pandemia tem atingido crianças e adolescentes desproporcionalmente, sobretudo, aqueles que vivem nas famílias mais pobres. A queda da renda familiar, a insegurança alimentar e, praticamente, um ano de afastamento das salas de aulas terá impactos duradouros na vida de meninas e meninos”, diz Florence Bauer, representante do Unicef no Brasil.
De acordo com o levantamento, na percepção da maior parte da população, tanto o isolamento social (84%) quanto o fechamento de escolas (82%) se destacam como medidas muito importantes para o combate à Covid-19. No contexto do ensino remoto, 91% dos residentes com crianças e adolescentes em idade escolar relataram que elas deram continuidade às atividades escolares em casa, sendo que os 9% que disseram que os estudantes com quem residem não têm realizado atividades escolares à distância, correspondem a 4 milhões de residentes com crianças e adolescentes. A proporção dos que seguiram fazendo as atividades é maior para os alunos de escolas privadas (94%) do que de públicas (89%). “É fundamental a criação e o fortalecimento de políticas públicas que apoiem as famílias mais vulneráveis para superar os impactos da pandemia. Se nada for feito, o Brasil corre o risco de um aumento ainda mais forte das desigualdades que já existiam antes da pandemia, afetando particularmente crianças, adolescentes e suas famílias”, alerta Florence.
O fechamento das escolas por um longo período tem sido uma grande preocupação para o Unicef. A pesquisa mostra uma alta hesitação das famílias de que suas crianças voltem a frequentar as salas de aula presencialmente. Enquanto 9% dos entrevistados declararam que as escolas de crianças e adolescentes residentes no domicílio reabriu, somente 3% declararam que algum deles voltou a frequentar a escola. Da mesma forma, apenas 15% dos entrevistados disseram que as crianças e os adolescentes voltarão às salas de aulas assim que a escola reabrir. A preocupação com o direito à educação aumenta uma vez que a proporção dos residentes com crianças ou adolescentes que continuam com atividades escolares em casa e receberam atividades nos cinco dias da semana anterior à pesquisa diminuiu de 63% em julho para 52% em novembro. Além disso, 13% das famílias responderam que crianças e adolescentes não haviam recebido atividades escolares na semana anterior à pesquisa. Isso corresponde a 7 milhões de meninas e meninos.
A maioria das famílias teve queda na renda. A pesquisa aponta que 55% dos entrevistados declararam que o rendimento de seu domicílio diminuiu desde o início da pandemia, o que representa cerca de 86 milhões de brasileiros. Entre as pessoas que residem com crianças ou adolescentes, 61% declararam que a renda da família diminuiu. Os impactos dessa queda são, particularmente, maiores nas famílias mais pobres. Dos entrevistados com renda de até um salário mínimo, 69% afirmaram que tiveram cortes em sua renda. Entre eles, 15% afirmaram ter perdido toda a fonte de renda. A piora da situação de alimentação também se reflete no papel importante da merenda escolar. Entre as famílias que recebem até um salário mínimo, 42% deixaram de ter acesso à merenda escolar na pandemia, fundamental para garantir a segurança alimentar de crianças e adolescentes em situações de vulnerabilidade.
A insegurança alimentar tornou-se uma preocupação ainda maior no Brasil. De julho a novembro, o percentual de respondentes que declararam que deixaram de comer porque não havia dinheiro para comprar mais comida passou de 6% para 13%. Isso é ainda mais grave entre pessoas de classe D e E, em que 30% deixaram de comer em algum momento porque não havia dinheiro para comprar mais comida. A situação se torna ainda mais preocupante quando se fala em crianças e adolescentes. Segundo a pesquisa, 8% dos entrevistados que moram com pessoas menores de 18 anos declararam que as crianças e os adolescentes do domicílio deixaram de comer por falta de dinheiro para comprar alimentos. Entre aqueles de classe D e E, a proporção chega a 21%.
A pesquisa mostrou que a redução da renda das famílias está impactando cada vez mais na alimentação de crianças e adolescentes. Na pesquisa de novembro uma proporção maior da população (54%) identificava que os hábitos alimentares em casa mudaram durante a pandemia. Na pesquisa de julho, o índice ficou em 49%. Os entrevistados declararam um aumento do consumo de alimentos industrializados e refrigerantes, pobres em nutrientes e ricos em gorduras, sódio e açúcares. O aumento no consumo desses tipos de alimentos segue maior entre residentes com crianças e adolescentes. “É extremamente preocupante o cenário de insegurança alimentar que a pandemia traz para crianças e adolescentes. Uma família que não consegue alimentar adequadamente suas crianças está vivendo na mais absoluta privação de direitos. É urgente o desenvolvimento de políticas públicas direcionadas à parcela mais pobre. Elas, muitas vezes, vivem em situações de tamanha exclusão que não conseguem ter acesso aos programas sociais de distribuição de renda”, disse Florence.
Os dados fazem parte da segunda etapa da pesquisa Impactos Primários e Secundários da Covid-19 em Crianças e Adolescentes, realizada pelo Ibope Inteligência para o Unicef. Foram realizadas 1.516 entrevistas nas duas rodadas, organizadas de modo a ser representativas da população alvo do estudo. As entrevistas dessa rodada foram realizadas por telefone de 29 de outubro a 13 de novembro. A margem de erro é de 3 pontos percentuais para mais ou para menos. A primeira etapa da pesquisa foi realizada de 3 a 18 de julho de 2020 e está disponível aqui.