Estou deitada no chão acarpetado. Devo ter entre 7 e 8 anos. Encaixo meu corpo de menina de uma forma que a cabeça fica embaixo da mesa de cabeceira entre duas camas. Converso com Deus. Um diálogo silencioso. Um vasculhar por respostas, sentido, escuta. Uma garotinha trancada em si. Inquieta pelas ausências.
Sempre esperei por uma resposta. Algo que me tirasse da solidão. O fardo de ser uma criança que não conseguia se misturar com as outras. A herança de construir uma versão de si para agradar ao outro. Para ser aceita. Para ser alguém. Ainda na sombra. Sobrevivendo pelas frestas. Respirando para encontrar seu sol.
Percebo que, ao escrever, ainda sigo conversando. Não sou mais a menina deitada no chão com os olhos voltados para o fundo da mesa de cabeceira. Sou uma mulher que escreve. Alguém que flerta com Deus pelas palavras empunhadas. No amparo que as letras provocam existe um grito ecoando. Ele se esgueira pelos cantos, amplifica, ressoa. A potência da trilha percorrida pelas composições escritas não me assusta. Produz, estranhamente, conforto. O sopro suave de quem se acostumou à dureza do chão.