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Terça, 22 de Outubro de 2024
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Transplante de rim: aumentar a disponibilidade de órgãos cria dilemas éticos

Segundo números do Ministério da Saúde, 53.218 pessoas esperam por um transplante no Brasil, das quais 31.125 precisam de um rim

No mês passado, cirurgiões de Nova York testaram a possibilidade de transplantar um rim de um porco geneticamente modificado para um ser humano. O experimento ainda não foi um transplante de verdade, o “recipiente” não estava vivo, mas o órgão sobreviveu por algumas horas sem ser rejeitado, fazendo do experimento um sucesso. É possível que essa tecnologia possa ser usada em transplantes de verdade em poucos anos. Seria uma nova forma possível de suprir toda a necessidade de rins para transplante e, no futuro, talvez também outros órgãos. Se este tipo de transplante chegar ao mercado a custos altos, sistemas de saúde no mundo inteiro vão enfrentar um dilema ético: vão ter de escolher entre atender àqueles que precisam de rins e todos os outros tratamentos que poderiam ser comprados para salvar outras vidas. Há também uma preocupação ética em criar (e modificar geneticamente) animais para este propósito. Podemos aceitar que é permissível criar e matar um porco para salvar uma, ou duas, vidas humanas, mas ainda assim precisamos decidir o que constitui tratamento aceitável destes animais e o que é tratamento cruel.

Mesmo sem novas tecnologias, qualquer medida para aumentar a disponibilidade de órgãos cria dilemas éticos. Segundo números do Ministério da Saúde, 53.218 pessoas esperam por um transplante no Brasil, das quais 31.125 precisam de um rim. A forma mais comum é o transplante de rins de um doador falecido. O paciente entra em uma lista, e os rins disponíveis (com consentimento da família para a doação) são alocados de acordo com o tempo de espera e com critérios médicos, incluindo a compatibilidade entre doador e recipiente: quanto maior a compatibilidade, maior a chance de sucesso do transplante. Conscientizar as pessoas da importância da doação de órgãos pode aumentar sua disponibilidade. Mas, por motivos óbvios, aumentar o número de doadores falecidos em potencial não é uma solução desejável para o problema. No caso dos rins, a doação entre vivos também é uma opção: o paciente que precisa do órgão encontra uma pessoa compatível, disposta e capaz de doar. Arranjos que começam a acontecer internacionalmente incluem a doação entre pares de doadores e recipientes se um paciente e o parente ou amigo que está disposto a doar um rim não forem compatíveis, o hospital ou uma organização especializada pode ajudá-los a encontrar outro par “complementar”, para uma doação cruzada, ou outros pares, uma “corrente” de doações. Nos EUA, doações altruístas para estranhos também são possíveis, mas são raras. 

A doação entre vivos, em todos os seus tipos, tem o potencial de aumentar em muito o número de rins disponíveis. Em 2019, segundo a Associação Brasileira de Transplante de Órgãos, ocorreram 1.073 transplantes de rim com doadores vivos, e 5.210 com doadores falecidos. Um problema da doação entre vivos é que ela não atende quem está na fila e não tem um doador. Quem não tem um amigo, parente ou estranho altruísta para doar fica para trás, mesmo que a fila ande mais rápido. É uma versão do problema do “fura-fila” da vacina, mas com a diferença de que não teríamos a maior parte dos órgãos se todas as doações de vivos tivessem que ir para estranhos, para o próximo da fila. Obrigar compradores privados de uma vacina a doar suas doses para o SUS é muito mais aceitável do que colocar restrições parecidas em algo tão pessoal e invasivo quanto a doação de uma parte do corpo.

Outra preocupação ética é evitar que um potencial doador sofra pressão ou coação para doar ou até vender um órgão. No Brasil, parentes do recipiente podem fazer a doação diretamente, mas uma doação entre amigos precisa de autorização judicial, uma medida de proteção. Quanto mais se facilita a doação entre vivos, mais difícil fica proteger potenciais doadores de pressão ou coação. Há quem defenda a maior facilitação possível da doação em vidaa legalização da venda de órgãos. Alguma medida desse tipo teria grande potencial de aumentar a disponibilidade de rins, mas também de expor pessoas vulneráveis à pressão e exploração econômica. Assim como é menos aceitável exigir a doação de um rim para um estranho do que a doação de uma vacina, também é menos aceitável incentivar a venda de um rim do que a venda de um bem externo, ou do próprio trabalho, para pagar necessidades básicas. As novas tecnologias podem nos ajudar a mitigar os dilemas éticos, mas não vamos escapar deles.


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