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Segunda, 21 de Outubro de 2024
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Diretora do ótimo ‘One Night in Miami’ mostra coragem ao retratar um Malcom X duro, frio e contraditório

"One Night em Miami": papo entre Sam Cooke (Leslie Odom Jr.), Jim Browm (Aldis Hodge), Malcom X (Kingsley Ben-Adir) e Muhammad Ali (Eli Goree)

Como frequentemente faço após assistir a um filme, assim que terminei de ver “One Night in Miami” eu corri para o Twitter e publiquei o seguinte comentário: “Belo trabalho da atriz @ReginaKing na direção. Mas continuo refletindo: não sei ainda se Regina é espetacularmente corajosa e honesta ou ligeiramente ingênua ao expor as contradições de Malcolm X em sua luta pelos negros. Mas é um baita filme”! Mantenho minhas palavras e aqui posso estender a reflexão. Caso você ainda não tenha lido nada a respeito, começo por Regina King. É uma atriz que a cada ano se destaca um pouco mais. Está na estrada há vários anos, mas conquistou os holofotes de fato em 2004, quando participou de “Ray”, no papel de Margie Hendricks, a backing vocal e amante do cantor Ray Charles. De lá para cá, estrelou inúmeros projetos e recebeu alguns dos mais importantes prêmios da indústria – no cinema, levou o Globo de Ouro e o Oscar de atriz coadjuvante por seu papel em “Se a Rua Beale Falasse”; na televisão, tornou-se a única negra a ser premiada quatro vezes no Emmy, pelas séries “American Crimes”, “Seven Seconds” eWatchmen”.

Inevitavelmente, Regina King logo ampliou seus horizontes e passou a escrever, produzir e dirigir. Assinou a direção de dezenas de episódios em séries de TV, documentário e, agora, com “One Night in Miami”, disponível na Amazon Prime Video, faz sua estreia num longa-metragem. Para tanto, escolheu adaptar a premiada peça de teatro homônima escrita por Kemp Powers. Ambientada em 1964, a narrativa parte de um encontro fictício entre quatro celebridades: o ativista político Malcolm X, o boxeador Cassius Clay (que adotaria o nome de Muhammad Ali), o astro do futebol americano Jim Brown e o cantor, conhecido como Pai do Soul, Sam Cooke. A história imagina esses homens negros e famosos, cujas vozes teriam condições de ecoar um grito de liberdade, denunciando o racismo existente nos Estados Unidos. Clay vence uma luta e, para comemorar, junta-se aos amigos em um quarto de hotel. O encontro, que bem poderia ser regado a música, bebidas e mulheres, se transforma numa reunião política sobre a importância e o papel do negro na sociedade americana.

Regina King certamente sabia dos inúmeros desafios numa adaptação como essa, mas há dois elementos de suma importância: o cenário e o discurso. Mais da metade do filme se passa dentro de um quarto, o que tecnicamente falando exige uma delicada e complexa engenharia. Contando com a criatividade do diretor de arte Mark Zuelzke e da fotógrafa Tami Reiker, Regina conseguiu a magia de transformar aquele pequeno ambiente num palco gigante, explorando diversos e diferentes ângulos. Além de estabelecer amplitude, a diretora elimina quase completamente o conceito teatral, estático, o que definitivamente resultaria em sequências enfastiantes. Ao contrário, ela faz um malabarismo muito bem coreografado e cria ótimas condições de movimento para seus atores. O texto – não poderia ser diferente – é politizado e tristemente aborda questões e demandas absolutamente atuais. Sabemos que o encontro entre os quatro amigos foi planejado por Malcom X, que não só está por trás da conversão de Clay ao islamismo, mas também deseja que Jim Brown e Sam Cooke façam uso da fama e do poder de fala para transmitir uma mensagem de luta e resistência a todos os negros americanos. Ocorre que Malcom é o que se chama de verdadeiro militante de uma causa, não raro deixando explícito um ponto de vista que se traduz em ódio. Os momentos em que lhe faltam argumentos são os mesmos em que ele entra em contradição, causando nos amigos repulsa e insatisfação, além da infeliz sensação de traição. Numa única noite, ele consegue ofender a todos os seus companheiros. 

Importante ressaltar que o roteiro de “One Night in Miami” é assinado pelo próprio autor, Kemp Powers. Se por um lado isso garante a certeza de um texto sem adaptações ou leituras incongruentes, por outro acaba deixando passar toda a prolixidade do discurso teatral. Assim, ao mesmo tempo em que chama a atenção todo esse desprendimento, a coragem e ousadia de escancarar um personagem movido por seus ideais, o filme também possibilita a leitura de que estamos diante de um Malcon X intransigente, duro e frio, por quem plateia alguma consegue ter empatia. Felizmente, a delicadeza do olhar feminino de Regina King permite que seus outros personagens ganhem força e carisma, na medida em que conhecemos igualmente suas próprias visões. Não se trata, portanto, de um único discurso. São vozes dissonantes, porém complementares para a compreensão do lugar ocupado pelos negros. Sendo assim, repito: “One Night in Miami” é um baita filme.


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