Noticias - Divulga news
Segunda, 21 de Outubro de 2024
Ola Mundo!


Imprensa se mostra incapaz de exercer sua atividade natural e se torna uma religião

Arthur Lira, candidato do governo à Câmara, derrotou Baleia Rossi por 302 votos contra 145

O resultado das eleições na Câmara dos Deputados e no Senado Federal é mais uma prova de que a mídia deste país que chama a si própria de “grande”, ou de “nacional”, ou coisa parecida, está se tornando um novo tipo de fenômeno — uma atividade que, definitivamente, não consegue mais operar de acordo com a sua natureza. É como um navio em que os tripulantes querem navegar terra adentro, e não mar afora. Meios de comunicação, pelo entendimento geral que se tem a respeito das suas funções, servem para dar ao público informação sobre as realidades que existem à sua volta — é por isso que as pessoas compram os seus serviços, e por nenhuma outra razão. Cada vez mais, porém, a mídia brasileira vem se mostrando incapaz de exercer a sua atividade natural. Em vez de transmitir fatos, passou a transmitir crenças; está se tornando uma religião, onde toda a energia se concentra em divulgar um evangelho no qual os comunicadores comunicam o que acham certo, virtuoso e obrigatório para a sociedade, e não o que está acontecendo. O resultado básico disso é que o público é apresentado, o tempo todo, a um mundo que não existe. Dizem que está acontecendo uma coisa e acontece outra — ou, frequentemente, acontece o contrário.

Não é uma questão de ponto de vista; é algo que pode ser constatado com elementos que os advogados chamariam de “prova material”. O episódio da escolha dos novos presidentes da Câmara e Senado é a última comprovação objetiva dessa anomalia — um clássico, na verdade, em matéria de desinformação em estado puro. Há uns dois meses, desde que o assunto apareceu no noticiário, o público foi informado, do primeiro ao último minuto, sobre algo que simplesmente não estava acontecendo: uma disputa duríssima, dessas em que tudo pode acontecer, entre candidatos do governo e candidatos da oposição. Só que jamais existiu, no mundo dos fatos, disputa nenhuma, nem candidato nenhum da oposição — os únicos candidatos para valer, desde o começo, eram os do governo, e a única coisa que podia acontecer era a sua eleição. Não custa lembrar. No início dessa história o público leu, viu e ouviu, como notícia de grande seriedade, que o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, poderia ser reeleito para o cargo. Maia, que de uns tempos para cá se “reinventou” como líder da esquerda nacional e marechal-de-campo da oposição, iria causar uma derrota mortal para o governo com a sua vitória; já podiam chamar o padre e encomendar o caixão para o presidente Jair Bolsonaro. Em nenhum momento, na verdade, Maia teve qualquer chance: a lei proíbe que presidentes da Câmara sejam reeleitos, e o Supremo Tribunal Federal decidiu que a lei deveria ser mantida. Se nem o STF aceita uma aberração dessas, qual a chance real da reeleição? Três vezes zero, mas a fantasia foi mantida viva, respirando por aparelhos, até a mídia informar que não, não tinha rolado.

Como não dava com Maia, teria de dar com outro; em cinco minutos apareceu um “candidato da oposição”, apresentado como perfeitamente capaz de ganhar a presidência da Câmara. A ficção foi mantida até o fim. A sessão decisiva já tinha começado, e os candidatos já tinham feito os seus discursos finais, o da oposição em favor “da democracia” — e a imprensa em peso continuava dando a disputa, que nunca existiu, como “aberta”, quando ela já estava fechada antes de começar. Minutos depois, concluída a contagem dos votos, o candidato do governo teve 302 votos contra 145 — não uma diferença de dez ou vinte votos, mas mais do que o dobro. Que disputa era essa? No Senado aconteceu a mesma coisa — mais de 70% dos votos foram para o candidato do governo. Nada disso é um erro de avaliação. É o resultado inevitável do abandono da atividade de informar em favor de um “jornalismo de resistência”. No entendimento dos que o praticam, e que hoje formam a maioria, a imprensa é uma missão, e não um ofício: dizer que a verdade é aquilo que se decide nas redações, e nada mais, tornou-se uma espécie de dever moral, político e patriótico. O público, para o seu próprio bem e para o bem do país, só pode ler, ver e ouvir o que os comunicadores acham que lhe deve ser dito. Do contrário, a população, na sua ignorância, no seu amadorismo ou na sua indiferença, vai ser enganada pelo governo, pela direita e pelo mal — e a mídia, em nome da sobrevivência da democracia e outros valores, está aí para combater nessa guerra que considera santa.

Jornalistas não gostam de admitir, nem para si próprios, que perderam a importância

A cara da mídia brasileira tem sido essa, de uma maneira geral, nos últimos cinco anos — possivelmente, desde que foi consumado o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff. Pode ter começado, para os peritos em ciência política, bem antes disso. Afinal, seja lá pela razão que for, o jornalismo é uma atividade que atrai preferencialmente pessoas de esquerda — e pessoas que se entendem como “de esquerda” não gostam, naturalmente, que presidentes de esquerda sejam depostos, ou que a direita forme qualquer tipo de maioria. Mas essa é uma data tão boa quanto outras, com a vantagem de estar mais próxima e envolver episódios ainda não esquecidos. Assim que Dilma foi posta na rua, por decisão de mais de três quintos do Congresso Nacional e com a aprovação do STF, a imprensa passou a divulgar a tese de que tinha ocorrido um “golpe”. De lá para cá, não mudou mais de ideia nem de assunto. Quando alguém se mete nesse caminho e não olha para mais nada, é inevitável, a uma hora qualquer, que acabe dizendo que 2 + 2 são 22. Mais: se, em nome da fé, perde a capacidade de admitir que errou, vai continuar errando. É a vida diária da imprensa brasileira desde que se transformou em culto político e ideológico: faz militância ativa em favor de uma visão de mundo e de vida, e quando não tem apoio nos fatos, pior para os fatos. Obviamente, essa conduta gera consequências práticas. É uma espécie de engrenagem. Um veículo que coloca os desejos de seus colaboradores acima das realidades acaba informando mal. Se informa mal, perde a credibilidade. Se perde a credibilidade, perde a importância. É onde estamos no momento: uma mídia cada vez mais excitada e cada vez menos relevante.

Realmente, se um comunicador diz uma coisa e acontece outra, e isso durante o tempo todo, qual a surpresa de ver as pessoas levarem cada vez menos a sério o que ele anuncia? Mais ainda, muita gente já nem se dá mais ao trabalho de utilizar os meios de comunicação tradicionais para se informar. O Instituto Verificador de Circulação, órgão que contabiliza o número de leitores na mídia impressa, anuncia que apenas entre 2018 e 2020 os jornais perderam um terço de sua tiragem; os dez maiores diários do Brasil, somados, têm hoje uma circulação pouco acima de 400 mil exemplares por dia em suas edições impressas. A audiência da televisão aberta e dos telejornais enfrenta uma concorrência cada vez mais dura das transmissões alternativas. Após o impeachment de Dilma, a mídia brasileira se meteu num desastre serial. Agiu ativamente para derrubar o seu sucessor legal, Michel Temer; a maior rede de televisão do país chegou, num lance extraordinário, a exigir sua renúncia em editorial levado ao ar no chamado horário nobre. Bastou o presidente decidir que não iria renunciar; pronto, não aconteceu nada. Deveria ter sido visto, aí, um sinal de que as coisas não eram as mesmas — o veículo considerado o mais poderoso do Brasil já não assustava nem Michel Temer. Mas ninguém viu coisa nenhuma. A mídia, em seguida, entrou de corpo, alma e tudo mais contra a candidatura de Bolsonaro na campanha presidencial de 2018; chegaram a dizer, como fato, que ele iria perder de “qualquer candidato no segundo turno”. Quem perdeu foi a mídia: o resultado acabou sendo exatamente o oposto do que os comunicadores comunicavam, e o vencedor foi um político que mal tinha 1 minuto de tempo no horário eleitoral obrigatório da televisão. Foi anunciado, em seguida, que as eleições poderiam ser anuladas por causa de um artigo de jornal — e por aí vamos, de “Queiroz” a Sergio Moro, de genocídio a impeachment, de nada em nada, até a eleição dos presidentes da Câmara e do Senado.

A imprensa brasileira, nisso tudo, mostra um bloqueio mental curioso — em vez de aprender alguma coisa com a observação da realidade, e de pensar se não seria o caso, talvez, de rever o tipo de jornalismo que está praticando, faz o contrário: a cada fracasso, dobra a aposta. Pensar no público, e indagar o que ele estaria achando de um noticiário que só erra, e erra sempre do mesmo lado, não é uma opção na mídia brasileira de hoje — jornalistas não gostam de admitir, nem para si próprios, que perderam a importância. Vivem entre si mesmos, ou então no meio do seu público — políticos, intelectuais, celebridades e assemelhados — e preferem continuar dizendo uns aos outros que são pessoas decisivas para estabelecer o que acontece no Brasil e no mundo. Se a maior emissora de televisão do país, certa do peso decisivo de sua palavra, afirma que o presidente da República tem de renunciar, mas o presidente ignora a ordem e não acontece rigorosamente coisa nenhuma; se a imprensa toda não admite que um candidato ganhe a eleição, mas ele ganha e também não acontece nada etc. etc. etc. — bem, é sinal que as coisas não estão correndo como os meios de comunicação querem que elas corram. Mas e daí? Obviamente, deixou de haver contato entre a realidade e o conteúdo da mídia. Não fica resíduo nenhum do que acontece; cinco minutos depois da eleição do novo presidente da Câmara, a questão mais notável para os comunicadores era relacionar tudo o que ele já fez, está fazendo ou vai fazer de errado. Como na antiga casa real da França, ninguém aprende nada, nem esquece nada.


Noticias do mundo

Voltar

InícioInício

Divulga news Copyright © 2024
Criado por:  Nandosp